O combate ao preconceito começa na pauta, no uso das palavras e na seleção das imagens. E passa pelo entendimento de que nem todos os 60+ gostam de bege
Por Maria Tereza Gomes
Jornalista, colunista de longevidade da revista Época Negócios, mediadora do podcast Mulheres de 50, autora do livro Coisas que aprendemos com o tempo e CEO da Jabuticaba Conteúdo
O preconceito de idade é o mais democrático do mundo. Cerca de metade de todas as pessoas têm algum sentimento negativo em relação aos mais velhos. Pesquisas mostram que começamos a desenvolvê-lo por volta dos três anos. Portanto, é natural que o etarismo ou idadismo se manifeste na forma como falamos e escrevemos. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), o etarismo é uma combinação de estereótipos (como pensamos), preconceito (como nos sentimos) e discriminação (como agimos) direcionados às pessoas com base em sua idade.
Está tão difundido que até escritores bem-intencionados reforçam inadvertidamente estereótipos. Isso podia até ser ignorado num passado recente. Não é mais. É preciso eliminar os preconceitos de idade da nossa comunicação pessoal e também da comunicação corporativa. Não apenas porque é o certo a se fazer, mas porque a população global está envelhecendo a um ritmo sem precedentes. O número de pessoas com mais de 60 anos deve duplicar até meados deste século, passando de 1,1 bilhão para 2,1 bilhões. Isso equivale a 21% da população mundial. E no Brasil, o ritmo do envelhecimento é ainda mais acelerado. Curiosidade: já há pesquisas mostrando que o etarismo custa caro para o sistema de saúde. Ou seja, é também uma questão econômica.
Para ajudar você a evitar erros que denotem etarismo em textos, fotos, vídeos e outros materiais de comunicação, reuni abaixo alguns dos aprendizados que acumulei escrevendo mais de 180 textos para a coluna 50+ Vida e Trabalho, publicada semanalmente pela revista Época Negócios desde outubro de 2020. Quando comecei a escrever sobre o tema, eu também era uma desavisada, mas fui pegando uma dica aqui, outra ali - e continuo aprendendo. Para este manual, também fiz algumas pesquisas e, sempre que possível, vou indicar as fontes ao longo do texto. Você vai ver que, se fizer algumas mudanças sutis, mas intencionais, na escolha de uma foto ou de uma palavra, vai ajudar pessoas de todas as idades a terem uma visão mais positiva sobre o envelhecimento.
Antes, um aviso legal: eu não sou a favor desse movimento que deseja reescrever a história e até os livros de literatura. Acredito que tudo tem o seu tempo, e precisamos respeitar e aprender com o passado para que possamos agir certo hoje, diante da nossa realidade.
Se quiser uma outra perspectiva sobre o assunto, leia entrevista com a influencer 60+ Rosangela Marcondes neste blog.
Vamos lá.
As palavras importam.
Idoso ou velho? Eu, pessoalmente, não gosto de "velho", porque me parece uma palavra mais agressiva que "idoso". Muitas pessoas que viveram muito tempo não se sentem “velhas”. Além disso, “velho” é um adjetivo com um sentido mais amplo. O dicionário Aurélio define "velho" como “muito idoso”, “de época remota, antigo”, “que tem muito tempo de existência”. Assim, você pode dizer “esta casa é velha, mas está em bom estado”, mas jamais deve dizer “sua avó é velha, mas está preservada”. Portanto, quando preciso escolher, fico com "idoso".
Idosos ou pessoas mais velhas? Quando usado para descrever um grupo, "idosos" é geralmente uma palavra aceita. No entanto, a expressão "pessoas mais velhas" é considerada mais neutra, carrega menos preconceitos, mas também pode ser vaga, porque todos os dias nós seremos “mais velhos” até morrermos. Sempre que possível, uso "50+" (como no nome da coluna) ou “pessoas com 65 anos ou mais" ou "pessoas com 80 anos ou mais”. Os americanos usam a expressão “older adults” para descrever pessoas com mais de 65 anos (idade oficial da aposentadoria por lá), que soa bem em inglês, mas não sei se “adultos mais velhos” funciona em português.
Dica para quem edita publicações: às vezes, por causa do espaço limitado de caracteres para o título, você vai usar “idosos”, mas certifique-se de que é relevante e necessário. O The Associated Press Stylebook and Briefing on Media Law, apelidado de AP Stylebook, guia de estilo para jornalistas da agência de notícias americana AP, recomenda ser mais específico quando o espaço permitir. Prefira “Casal de 90 anos morre em incêndio em arranha-céu de luxo em Manhattan” em vez de “Casal idoso morre em incêndio em arranha-céu de luxo em Manhattan".
Na coluna Nem idosa, nem velha e nem avó, publicada em agosto de 2021, escrevi sobre algumas dessas terminologias.
Cidadão sênior e aposentado: Eu não gosto de nenhum deles, acho ambos limitantes para explicar as muitas facetas de uma pessoa em seus 60, 70, 80 anos. Meus colegas jornalistas de televisão adoram identificar seus entrevistados como “aposentado/a”, dando a entender que essa pessoa não faz mais nada da vida além de esperar a morte. Já a palavra "sênior" é muitas vezes usada nos organogramas corporativos para descrever um profissional com mais experiência - e tudo bem. O problema é juntá-la com "cidadão", como se estivéssemos apartando as pessoas mais idade dos demais cidadãos. Se não bastasse, existe em Brasília a Associação Brasileira do Cidadão Sênior, que diz ter a finalidade de “promover a cidadania sênior no Brasil”. Valha-me Deus.
Geração prateada e economia prateada: Eu sei que tem gente esclarecida usando a expressão “economia prateada”, mas não gosto. Sei que há muitas mulheres que mantêm lindos cabelos prateados, mas será que as de cabelos pretos foram excluídas? Como pinto os meus, estou fora, então? É uma linguagem que não explica a complexidade inerente ao grupo de pessoas com mais de 50 anos.
Meia-idade e melhor idade: Melhor idade para quem, cara pálida? Para você, pode ser os 30, para mim, os 50. Há pesquisas indicando que a fase mais feliz da vida é mesmo depois dos 60, mas daí a chamar de "melhor idade" é um passo muito grande. Já "meia-idade" refere-se a um período que convencionalmente vai dos 40 aos 60 anos, um pouco mais ou um pouco menos. Nos Estados Unidos, a MEA (Modern Elder Academy), que se intitula a primeira escola do mundo a ensinar a sabedoria da meia-idade ("midlife wisdom", em inglês), diz que esta fase "é uma maratona que dura desde os 30 e poucos anos até os 70". Resumindo: tudo bem usar "meia-idade", mas nunca use "melhor idade".
Nas colunas Um propósito para o resto da vida, publicada em maio de 2024, e Dramas da meia-idade, de agosto de 2024, falo mais sobre a meia-idade.
Maria Tereza Gomes, de 59 anos.
Falar ou não a idade? A jornalista Glória Maria, que morreu em 2023, era famosa por esconder a idade. Direito dela, embora, por causa do Google, qualquer pessoa hoje possa saber o dia, mês e ano em que ela nasceu. Eu nunca tive dificuldade em falar sobre a minha idade, e meus leitores sabem que farei 60 anos ainda em 2024. Contar a minha idade e a dos meus entrevistados é relevante para o contexto da minha coluna, que é dedicada a questões de longevidade. Portanto, você deve avaliar se essa informação faz diferença para o seu conteúdo. Detalhe: até hoje, nenhum dos meus entrevistados se negou a revelar a idade. Precisamos tratar a idade como algo natural da vida.
Jovem e madura: Evite usar esses termos relacionados à idade para descrever pessoas ou grupos onde essa informação não é relevante. Por exemplo: “Temos uma equipe jovem e inovadora” ou “nossa equipe é madura e experiente”. Se estiver se referindo a uma determinada faixa etária, seja específico. Como essas questões de terminologia também são importantes para profissionais de saúde, o NHS, serviço de saúde britânico, define os seguintes grupos por idade:
Criança: 4 aos 12 anos
Adolescente: 13 aos 19 anos
Jovem adulto: 16 aos 24 anos
Adulto: 19 anos e acima
Pessoas mais velhas: use ‘mais de 65’, ‘mais de 75’.
Imagens reforçam estereótipos.
Mulher olhando pela janela ou homem sentado sozinho num banco de praça? Nenhuma das duas. “Essas são imagens que perpetuam estereótipos negativos sobre pessoas mais velhas como menos capazes, solitárias, doentes e em declínio”, escreve a jornalista Kristen Senz no artigo 6 tips for improving news coverage of older people, publicado pelo site The Journalist’s Resources. A recomendação é procurar imagens que ilustrem diretamente a história. Seja preciso. O jornalista Paul Kleyman, citado por Kristen, e que coordena a rede Journalists Network on Generations, diz: “O conselho mais simples é pensar sobre o que você quer que sua história transmita”. Se não for possível usar foto do entevistado, use imagens neutras, como “uma mão mais velha segurando uma mão mais jovem, por exemplo.”
E os vídeos? O mesmo cuidado deve ser dado a eles, especialmente os que utilizam banco de imagens.
Cuidado com a pauta.
O estereótipo do maratonista de 85 anos. Vemos isso o tempo todo nos noticiários de jornal e televisão. Mas não é legal se só virou uma reportagem por causa da idade da personagem. “Amplie sua narrativa para uma história sobre os estilos de vida cada vez mais ativos de pessoas mais velhas”, diz a jornalista americana Liz Seegert, que cobre temas de saúde e idade. "Eu não escreveria a história apenas pelo fato de que ele tem 85 anos e correu uma maratona", diz ela. "Eu inverteria [e explicaria que] Joe Smith acabou de correr sua 10ª maratona aos 85 anos, e isso está se tornando uma ocorrência mais comum à medida que as pessoas vivem mais."
Não somos um grupo monolítico.
Dementes e decadentes: É amplamente difundida a ideia de que todos os 60+ são iguais, um grupo único, que todos vão ter demência, ficarão frágeis e não são bons em tecnologia, ou não conseguem aprender nada novo. “A verdade é que apenas uma porcentagem muito pequena de pessoas acaba em casas de repouso. A maioria das pessoas mais velhas, embora possam desacelerar um pouco ou ter algumas doenças crônicas que precisam controlar, vive vidas cotidianas bem normais”, diz Liz Seegert.
Nem todos 60+ gostam de bege: Esse conceito de que as pessoas com mais de 60 anos não são iguais é reforçado Susan Golden, autora do livro "Stage (Not Age): How to Understand and Serve People Over 60 - the Fastest Growing, Most Dynamic Market in the World” (“Etapa - não idade: como entender e atender pessoas com mais de 60 anos - o mercado mais dinâmico e que mais cresce no mundo”, em tradução livre). Para ela, devemos nos preocupar com a fase da vida e não com idade da pessoa. Há uma grande diversidade de perfis entre os 60 e os 100. A pergunta a ser feita, ensina Susan, é: “Em que estágio da vida alguém está e quais produtos e serviços vai precisar?”
Leia a coluna Economia da longevidade: nem todos os 60+ gostam de bege, publicada em julho de 2022.
Explique ao pessoal do marketing: Há uns dois anos, entrevistei o professor Robert Chess, que ministra a disciplina “Longevity: Business Implications and Opportunities”, na Stanford Graduate School of Business, sobre os desafios que o envelhecimento da população está colocando para as empresas. Quando perguntei que conselhos ele daria para empresas que estão começando a se preocupar com o assunto, ele respondeu:
Não comece com estereótipos. Concentre-se mais no estágio de vida do potencial cliente do que na idade. Além disso, tenha um pensamento multigeracional. Muitos produtos e serviços podem ser configurados ou projetados para funcionar bem para uma ampla gama de usuários em diferentes estágios da vida. Muitas vezes, o design do produto, serviço ou da loja pode incluir recursos essenciais para clientes mais velhos, mas que também são apreciados pelos mais jovens.
Leia a coluna completa com a entrevista do professor de Stanford Robert Chess: “Ignorar os 50+ é má prática de negócio, publicada em março de 2022.
Saiba mais sobre comunicação contra o etarismo: este relatório está em inglês e é de 2017, mas vale a leitura, pois se aprofunda em todos os temas tratados aqui. Finding the Frame: An Empirical Approach to Reframing Aging and Ageism .